segunda-feira, 29 de setembro de 2014

No princípio era o caos

Como é da praxe neste país, vamos facilitar de algum modo os cálculos, para que nos fiquem de feição, e digamos que todos os campos de futebol se dispõem rectangularmente em 105 metros de comprimento por 68 metros de largura, para um total de 7140 metros quadrados de área. Suponhamos, igualmente, que cada um dos 22 jogadores que começam e acabam uma partida sem expulsões ocupa um metro quadrado dessa área total. Posto isto, e considerando que até as folhas de cálculo chegam a um ponto em que decidem mandar-nos bardamerda e deixam de efectuar uma operação mais que seja, as combinações possíveis para a disposição desses jogadores num campo de futebol são, mais milhão, menos milhão: 
5.206.300.584.388.910.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000

De acordo com algumas teorias, num lançamento de moeda ao ar, seria possível indicar, com exactidão, qual o resultado, se se soubessem todas as condições em que esse lançamento fosse realizado: a massa total da moeda, a sua constituição química, a sua densidade, as irregularidades das superfícies, mas também a força aplicada pelo lançador, a pressão atmosférica no local onde é efectuado o lançamento, e por aí fora... estamos a falar de um mero lançamento de moeda ao ar, com cinquenta por cento de hipóteses para cara e outro tanto para coroa, e que vale por si só, isto é, começa e acaba em si mesmo – a cada novo lançamento, nova bateria de cálculos altamente complexos teria lugar.
Embora não de forma linear e cientificamente explicável, há alguns factores que influem na disposição dos jogadores em campo, dos quais destacaria: i) a particularidade de os guarda-redes poderem utilizar as mãos dentro da sua grande área, ainda que esse uso esteja condicionado, o que faz com que, tendencialmente, eles permaneçam a maior parte do dentro dos cerca de 666 metros quadrados (curioso número) que constituem essa marcação; ii) a lei do fora-de-jogo, a qual, dentro da sua complexidade actual, mal-amada por alguns, e incompreendida por imensos, é, ainda assim, o garante de que o jogo não se resume à disputa física e atabalhoada entre aglomerados de jogadores ou, no outro extremo, a uma dispersão aparelhada de elementos em campo - caso não existisse fora-de-jogo, as opções de jogo variariam, com certeza, entre lançar a bola para as grandes áreas e esperar que, entre a confusão, alguém marcasse golo; ou uma sequência inconsequente de duelos individuais sucessivos a todo o comprimento e largura do terreno; iii) aquele que é, como não poderia deixar de ser, o mais importante dos factores: onde está a bola.
Os pontos i) e ii) contribuem, de algum modo, para diminuir as combinações racionais acima enumeradas, o que não é o mesmo que as diminuir matematicamente - segundo as leis das probabilidades, o número apresentado, e salva a preguiça da folha de cálculo, é invariável enquanto houver 22 jogadores em campo (o árbitro não conta para estas coisas, pois é, como se diz, parte do terreno de jogo). Simplesmente, numa perspectiva racional, ou seja, enquadrando as probabilidades dentro dos limites ditados pelas regras do jogo, há combinações que não fazem sentido, como seja, por exemplo, estarem os 11 jogadores de cada equipa dentro do meio-campo adversário. Voltemos a assumir o nosso poder discricionário e consideremos que apenas metade delas farão algum sentido a um qualquer momento de uma partida:
2.603.150.292.194.460.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000

Para gáudio dos artistas e cidadãos do mundo, entra agora o ponto iii) em cena, a bola. A bola vem, segmento esférico ante segmento esférico, e, por um instante, tudo pára. Ela olha para aqueles 22 pares de olhos que a miram e reflecte, sucinta: eu não sou uma moeda. E nós, que a vemos daqui, das arquibancadas do pensamento, concordamos: não és, de facto. A bola não pára e volta ao ponto de partida como se nada tivesse acontecido e tudo tivesse de ser recalculado. A bola, no seu movimento prolixo, é a razão pela qual as combinações posicionais acima descritas se permutam continuamente durante 45+45 minutos. Imaginemos que uma vez a cada segundo (e bem sabemos que tudo se passa muito mais rápido que isso) a bola muda de metro quadrado, e temos a causa para que todos os jogadores se movam igualmente, exponenciando assim a complexidade de um jogo que, à maioria das pessoas, aparenta ser simples. Não é possível resumir o futebol a números, pois a bola não aparece onde aparece porque sim, mas por hoje vamos abreviar argumentos. Por ora, só queremos apresentar os zeros necessários para provar que, nos 5.400 segundos regulamentares de um jogo podem suceder demasiadas coisas para que possamos controlá-las na íntegra, e que, no fim das contas, o caos continuará a fazer sentir o seu peso primordial. Só para três segundos, e visto que finalmente a folha de cálculo estourou de vez:
176.399.653.668.273*10176. sim, são 176 zeros.

A probabilidade de acertar na chave do primeiro prémio no euromilhões é de 1 em 116.531.800.

0 comentários :

Deixa aqui as tuas Saudações Desportivas